Eu estava caminhando por uma estrada no meio do mato. Na
verdade, depois percebi que era uma cidade abandonada. O mato cobria as
ruas, os prédios e os carros velhos. Tudo com um certo musgo verde-folha bem
iluminado. Por um breve momento, cheguei a pensar que estava dentro de algum
desenho do Myiazaki. Até perceber que tocava The Sword ao fundo, em algum
lugar!
Enfim, eu estava lá caminhando por aquele lugar que não sei
qual era, indo para não sei onde (talvez Lugar Nenhum), até que o Cara Grande
apareceu no meu caminho, bloqueando a passagem. Ele era branco, como um
marshmallow, quadrado como um mashmallow, com os braços saindo de cada lado e
as pernas, curtas, por baixo. Um enorme marshmallow personificado! Só que sua
pele não parecia macia, parecia dura, como pedra.
- Onde pensa que vai, garoto? – perguntou o Cara Grande.
- Sei lá. Isso importa? – eu realmente não queria muita
conversa.
- E vai fazer o que, ficar aí parado até criar limo e o
musgo crescer em volta de você também?
- Eita! Nem te conheço! Quem é você para falar assim comigo?
Sabia que...
- Eu sou o Cara Grande. Você acabou de dizer lá em cima. –
disse o Cara Grande, me interrompendo. – Mas isso não importa. Você sabe disso, já
passou por isso antes.
Era verdade. Há tempos não tinha um desses sonhos, mas já
tinha passado por situações assim antes: seres esquisitos frutos de minha imaginação,
me dando conselhos um tanto quanto filosóficos.
- Vou deixar você refletir um pouco. – ele disse, e ficou
lá, parado, esperando alguma coisa.
Eu comecei a pensar porque estava tendo mais um desses
sonhos de novo? Eu já tinha passado dessa fase da vida de ficar questionando minha
existência, o que fazer da vida e tal. Já não tinha mais 20 e poucos anos e estava com a
vida tomada pelas tais responsabilidades e todas aquelas coisas de adultos
que tomam nossa vida quando os filhos nascem, moramos sozinhos ou casamos,
assumimos cargos em nossos empregos e tudo mais.
- Mas ainda tem a Vida, e o Universo! – disse o Cara Grande,
assim, do nada. Parei, olhei para a cara dele. Ele mostrou uma expressão de “desculpe”
que todo marshmallow gigante personificado faz. – Desculpe, pode continuar, eu
espero. - ele disse.
Bem, voltando... Eu devo dizer que os últimos anos mudaram muito a pessoa que eu era. Tenho sido mais real e meus pés estão cada vez mais enterrados
no chão. E a palavra é essa mesma, “enterrado”. Toda aquela leveza que eu já tive
um dia se foi, e no momento parecia que haviam 50 toneladas de chumbo sobre as minhas costas,
para me manter com os pés bem fincados no chão! Há algum tempo já, minha mente
me abandonou e nunca mais tive sonhos permeados de castelos de vidro, fadas
ardilosas, robôs gigantes, seres de outros planetas e de outros mundos... Não nada disso!
E me pergunto se algo realmente mudou? Se fez alguma diferença? Por que, sabe, tem uma coisa que sempre
pensamos, que tudo tem só dois lados. Ou você é ou não é, ou você faz ou não
faz, ou você sonha ou você vive a realidade! Um tanto quanto injusto, eu acho.
Mas fui criado assim, o que posso fazer?
E essa é a pergunta chave: “o que posso fazer?” Calma, nada
de autoajuda aqui! O mundo já tem mais frases de autoajuda do que advogados! E,
bem, vou lhe contar uma coisa, elas são só frases! Verdade. Ninguém te contou?
Então... Desculpe, mas essa é a verdade: frases de autoajuda são só frases de
autoajuda!
Olha aí o pessimismo de novo... É isso, eu apaguei minha luz
interna e agora dentro de mim são só trevas!
O Cara Grande ia falar alguma coisa, mas parou, com a boca
meio aberta, e levantou o dedo, como se pedisse permissão para falar.
- Diga, Cara Grande. – eu disse, dando-lhe permissão.
- Sabe o que é, cara? Esse lance de “perdi minha luz, agora sou trevas”. É que você já usou isso, fez longos textos sobre isso sabe? Aquela
história da Cora e tal...
- Verdade. Mas o que posso fazer? Parece que não mudou muito
coisa.
- Olha a pergunta aí de novo!
- Que pergunta?
- “O que posso fazer?”, você já disse isso. Está se
repetindo... – ele disse.
- Mas não é isso? A vida não é um ciclo que se repete, como
uma roda de ratos? E não estamos presos nela para sempre?
Ele fez uma pausa. Olhou com toda a serenidade que um
marshmallow gigante tem no olhar.
- Não, não é isso.
Eu fiquei mudo. Não sabia mais o que dizer.
- Olha, pensa nesse sonho que você está tendo agora. Você
está em um caminho, uma estrada, que passa por coisas do passado, abandonadas.
Mas a estrada vai para algum lugar, para frente. Ou você pode voltar também, se quiser!
- Está me dizendo que a gente caminha sempre para frente,
nunca em círculos?
- Ééééé... Mais ou menos isso! Acho.
Ficamos os dois lá. Um olhando para o outro. Mudos.
Então, acho que senti uma breve luz iluminando minha mente. Por
um breve momento, algo me dizia que não existem regras de verdade para nossa
vida. Pelo menos não ali, no mundo dos sonhos e da imaginação. Somos seres caminhando por aí, fazendo coisas, esperando a morte chegar. E,
enquanto ela não chega, enquanto temos que fazer coisas, porque não fazermos
coisas que nos dão algum prazer, nem que apenas de vez em quando? Algo
que possa alegrar um pouco a nós e a outras pessoas que também estão presas em suas rodas
de ratos, em suas vidas, em sua realidade? Sabe, nada de escapismo e tal, nada
de alienação. Não, isso não. Eu falo sobre lembrar quem somos de verdade e
exercer nossa vocação. Mesmo que não tenhamos essa vocação de verdade, mas
acreditamos que temos! Afinal, vivemos tempos vazios que precisam ser
preenchidos com algum sentido.
- Isso, Cara Grande! É isso! - eu gritei.
- O quê, isso o quê? – ele disse, tão empolgado quanto eu.
- Chega de esperar, de ir empurrando com a barriga, de ir respirando de
sendo levado pela vida! É hora de reassumir, recomeçar e...
Não tive tempo de terminar. Ouvi um barulho enorme e, quando
olhei por trás do Cara Grande, lá longe, uma enorme bola amarela de fogo se
formou e foi crescendo, vindo em nossa direção. De repente, aquela luz me cegou
e eu me senti sendo queimado.
Acordei, como sempre. Estava chovendo, como era de costume quando tinha sonhos assim. Mas dessa
vez, como há muito tempo não sentia, eu não havia despertado de sonhos
intranquilos. Não mais.